A verdade é que não gostaríamos de escrever sobre a chacina de Vila Cruzeiro, que vitimou
tantas vidas, tantos talentos. Muito menos sobre a turba odiosa que está comemorando o que
aconteceu nas redes sociais. Nem sobre a sua sede de sangue.
Não gostaríamos de escrever sobre um homem negro sergipano de 38 anos, Genivaldo de
Jesus Santos, assassinado pela polícia rodoviária federal em viatura transformada em uma
câmara de gás improvisada. Crime descrito por um repórter branco na televisão como “uma
certa truculência“.
Foi assassinado perguntando “por que faziam isso”.
Enquanto somos obrigadas dia após dia a chorar, sem sequer termos tempo de lembrar da
tristeza dos dias e dois meses e dos anos que se passaram, compreendemos que não há outra
resposta possível a pergunta de Genival de Jesus Santos – se alimentam de nossa dor.
O que muitas vezes não é evidente para aqueles que são vítimas do ódio. Não por serem incapazes de entender os motivos dessa violência mas pelo bárbaro confronto entre sua própria humanidade e a banalidade do mal.
Nos dias de hoje vivemos em um país em que cada vez menos pessoas tem se feito a mesma
pergunta. Enquanto tantos outros temos de encarar a cruel verdade de que muitos desejam e
permitem que aconteça. E o mais importante, trabalham para isso.
E aqui preciso falar sobre uma mensagem que recebi de noite dizendo, veja esse podcast. Era a conversa de Sueli Carneiro e Mano Brown que traz um elemento central para o que escrevo. Estamos diante de um novo desafio – a contaminação da sociedade brasileira por ideologias e práticas supremacistas diante de um movimento que tem se pensado cada vez mais desorganizado entre pardos e negros.
A câmara de gás improvisada numa viatura é um grave sintoma disso.
Quando um homem negro e acorrentado pelos pés, pelas mãos e pelo pescoço, tendo de
reviver a violência da colonização, compreendemos que não há qualquer separação entre as
violências simbólicas e concretas que nos são infringidas. Estão nos matando ao mesmo tempo em que recriam imagens que naturalizam a cultura do ódio.
Nos vemos diante de um dilema cuja matemática não é trivial. Ao mesmo tempo que precisamos dessas imagens para produzir provas, temos de lidar com o fato de que também servem para que ver pessoas negras sendo mortas na televisão e fora dela se torne aceitável. Estão cozinhando o sapo em água quente, como fizeram em Weimar.
Infelizmente a cada dia se torna mais palpável a fala de Edson Cardoso sobre considerarmos com muita seriedade a capacidade de remixagem e atualização de práticas concretas e imagéticas de ódio e a possível erosão dos chamados estados democráticos de direito, tendo em mente o que aconteceu durante o século XX.