Dina, primeira bailarina de dança do ventre do Egito, biscate e delícia

Nem toda família de ascendência árabe tem a mesma visão de mundo sobre a dança, assim como nem toda mulher que faz dança do ventre é biscate, vero. Só que probabilidade de a dança despertar a bisca que existe dentro de cada uma é muito grande pois a visão do umbigo emoldurado pelo vai e vem do próprio quadril (e o das zamigas, aiaiai, uiuiui)  é qualquer coisa de solene.
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Originalmente publicado em em 26/01/2013 no Biscate Social Club.

Recentemente ouvi de um bailarino de danças orientais, de ascendência árabe, que sua família temia que ele seguisse a carreira artística. O receio nada tinha a ver com quaisquer questionamentos sobre sua sexualidade como muitos poderiam pensar. O problema era frequentar aquelas mulheres que dançam de umbigo de fora, ato proibido pela lei egipcia desde a década de 1950.

O assunto de hoje é uma dessas mulheres, a bailarina, filósofa e biscate Dina Talaat.

LOOOOOSHO, VOLÚPIA E PROTESTO

Nem toda família de ascendência árabe tem a mesma visão de mundo sobre a dança, assim como nem toda mulher que faz dança do ventre é biscate, vero. Só que probabilidade de a dança despertar a bisca que existe dentro de cada uma é muito grande pois a visão do umbigo emoldurado pelo vai e vem do próprio quadril (e o das zamigas, aiaiai, uiuiui)  é qualquer coisa de solene. Fora o acinte uma mulher ser indenpendente, tendo como instrumento de trabalho o próprio corpo.

Dina e um figuro looooosho

Esses detalhezinhos fornecem pistas sobre o status da mulher na sociedade egípcia. A feminista muçulmana  Nihad Abu el Konsa reporta que a nova constituição ignora os direitos das mulheres. A cláusula que assegura a igualdade entre todos os cidadãos perante a lei existe, mas não garante a não violação dos direitos humanos da população feminina.

Em contrapartida,  o vocabulário visual da dança do ventre parece indelevelmente associado ao universo do harém. São princesas e odaliscas inacessíveis. Não é raro esquecermos que sua dança geralmente se desenvolve num contexto de opressão. É por isso que quero apresentar uma personagem muito singular no mundo da dança, toda luxo, volúpia e protesto – Dina Taalat.

A PRIMEIRA BAILARINA DO EGITO

Dina é a última entre as egípcias,  está para dança do ventre assim como Alcione e Bete Carvalho estão para o samba. Antes dela, mulheres como Badia Massabni, que abriu uma casa noturna aos moldes europeus em plena Cairo da década de 1930. Ou Tahya Karioca, preterida por Farid el Atrash que preferiu se casar e ter filhos. Um mundo de babados homéricos.

Mais uma vez que as bisca pira!

Desavisada de todo esse background, acabei me acostumando a pensar a dança do ventre como coisa de princesa. Meus olhos transbordavam ignorância e preconceito toda vez que assistia uma apresentação da bailarina. Como assim começar uma dança do ventre que deveria ser toda elegância exibindo o derrière para o público¿ Detallhe que para a cultura egípcia, essa atitude tem nada de vulgaridade.

Tudo mudou quando uma professora me fez pensar sobre a coragem necessária para dançar numa sociedade estruturalmente machista , tão afeita ao slut shaming. Como não é possível proibir as mulheres de dançar, algumas adaptações são feitas. Assim se desenvolveu a dança Shaabi que, grosso modo, é o funk da dança folclórica, praticado por quem goza de relativa liberdade.  Assim as bailarinas cobriram o umbigo com broches, diminuiram o tamanho das saias e aumentaram os decotes.

Uma dança que exala sensualidade mas se esmera na exposição de conflitos sociais, políticos e raciais. Algumas letras falam abertamente sobre o consumo de substâncias entorpecentes. Apesar de dominar diversas modalidades da dança oriental inclusive a dita clássica, Dina é a mãe dessa modalidade irreverente e tão amada pela classe trabalhadora. Não por acaso, detem o status de Primeira Bailarina do Egito, título informal muito parecido com aquele o Princesa do Povo conferido à Ladu Di.

SEX TAPE TIMES E DIAMANTES

Apesar disso, o ano de 2002 não foi nada glamouroso. Dina teve sua intimidade exposta numa sex tape difundida por um ex-marido desejoso de vingança. Sua reação foi se exilar e adotar o hijab (código de vestimenta muçulmana para mulheres). Logo ela que faz tanta questão de se apresentar com trajes provocadores, subversivos. Ah sim, com uma discreta jóia no umbigo, como manda a boa moral e os bons costumes.

Pelo que sei, passou 2 anos em Meca, ainda que não haja fontes para comprovar esse fato. Deu entrevistas chorando diamantes, sem jamais borrar o rímel e tentando contornar a situação. Apesar dessas tentativas de se retratar perante o público, sua carreira parecida irremediavelmente destruída (qualquer semelhança com o caso Kristen Steewart não é mera coincidência).

A parte boa é que, após alguns meses de jejum, Dina retomou sua agenda de apresentações com um cachê mais alto que nunca. Finalmente superava uma (malsucedida, ufa) tentativa de suicídio. As acusações contra o ex-affair foram formalmente retiradas sob a alegação de que tudo foi feito com seu consentimento, o que me pareceu uma estória pra lá de mal contada…

ESSA VADIA SOU EU

É muito fácil rotular Dina como vadia. Gosto de imaginar que, se ela soubesse o que a palavra biscate significa, seria a primeira a menear seus lindos cabelos negros e dizer – EU SOU. Foi justamente por esse motivo, e para deixar de lado meu próprio olhar viciado, que decidi trazer para vocês essa mulher delícia. E olha que nem falei sobre filosofia, área do conhecimento em que Dina é bacharel.

E pra terminar, o mais importante: vídeos! Dina fazendo a linha primeira bailarina e biscate do país num porgrama de TV. Depois se jogando num clipe de Shaabi bem humorado e muito distante dessa coisa melosa dos harens ou de uma cultura sisuda. E pra terminar com Fatme Serhan em Taht El Shibak, essa música que tanto amo ouvir e dançar. Botem reparo na roupinha Xeeeeena mais linda de todas. E o menear de bunda inesquecível, tem como não amar? Aprecie sem moderação!

MUCH MORE

Se você quiser comparar o modo como a música é interpretada hoje e ontem, veja esse vídeo bem legal de Taheya Carioca que integra uma seleção feita por mim para aprender dança do ventre.

AGRADECIMENTOS ou AYSHA SUA LINDA

A dança do ventre sobrevive porque mulheres se dispõe a aprender e ensinar. Comigo não foi diferente. Tenho por inspiração artistas como Dina que estão lá longe no Egito, mas também gente que trabalha muito duro pelo desenvolvimento da dança com acento brasileiro. Todo meu agradecimento e admiração pelo talento e pela pessoa de Aysha Almée que você encontra facinho no facebook e teve a paciência de fazer imprescindíveis observações para a feitura desse texto.

Lembrando que esse post faz parte de uma série sobre dança do ventre aqui no blog.

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