Cabelo natural – Uma biscate quer abandonar o alisamento

Dessa vez estava de cabelo preso, num coque discreto. Esperando a minha vez, aproveitei pra ler uma entrevista de Marco Feliciano para um famosa publicaçãozinha que vocês conhecem. E assim nem percebi que havia chegado a minha vez de ir ao lavatório e depois à estação de trabalho do cabeleireiro.
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Originalmente publicado em 16/03/2013  no Biscate Social Club.

Toda vez que vou ao salão de beleza acontece algo mais ou menos assim.

Dessa vez estava de cabelo preso, num coque discreto. Esperando a minha vez, aproveitei pra ler uma entrevista de Marco Feliciano para um famosa publicaçãozinha que vocês conhecem. E assim nem percebi que havia chegado a minha vez de ir ao lavatório e depois à estação de trabalho do cabeleireiro.

Agora um pequeno adendo. Sou uma mulher negra que detesta ser chamada de morena. E o que o cabeleireiro faz para demonstrar intimidade? Pois é. Nem deu tempo de fazer muita coisa ante a um sonoro “oooooooi morenaaaaaaaaaaaa” . Respira, respira, diz que está tudo bem e faça o que você veio fazer aqui, pensei. E lá fomos nozes, eu e os cabelos, cortar dois centímetrozinhos.

Agora a parte que sempre acontece – meu black vira o assunto da rodada. Formam-se alguns times, mas falarei apenas das mulheres negras que cogitam ou já cogitaram abandonar o alisamento. Algumas costumam dizer que esse tipo de de cabelo é para gente descolada (leia-se quem não precisa passar um ar de seriedade), outras que tentaram e não conseguiram deixar o alisamento de lado.

Pois bem querida, esse post é pra você – uma biscate quer deixar de alisar o cabelo. Quando, como, onde, por quê?

QUANDO

Quem não se lembra da Maternidade Santa Joana validando o alisamento na infância?

Por muito tempo tratei quimicamente meu cabelo. Foram longos 28 anos, começando aos 4. E olha que até comecei tarde. Não se espantem, é corriqueiro passarmos uma vida alisando, sem conhecer a textura do próprio cabelo, sem imaginar que existe vida fora do tubo ou pote de química. No meu caso o danadinho custava 21 reais (em 2005) e era eu mesma quem aplicava todos os produtos.

Foi por acaso que descobri a possibilidade do cabelo natural. Vendo as fotos da gravidez de uma prima, reparei que o cabelo dela estava com uma textura diferente (nunca havia pensado que o cabelo dela era crespo). Aparentemente, alguns alisamentos são incompatíveis com a gestação de uma criança. Como pensava em engravidar também, decidi experimentar como seria a vida sem alisar.

A primeira tarefa é escolher o quando. Aconselho que seja numa época mais tranquila, de paz interior. Pra mim foi assim, sem grande estresse (coisa rara de acontecer). A raiz foi crescendo e surgiu a vontade de voltar a alisar (o que tinha na cabeça mesmo hein, é claro que alisar parece o mais adequado a ser feito, não há motivos para não ser assim, pensei na época). Mas resisti.

BIG CHOP – MAS PARA QUÊ DEIXAR DE ALISAR MESMO?

Ifeyinwa foi pra internet mostrar seu Big Chop

Sempre fui conhecida por ter um cabelo bonito e comprido (para uma negra). Mesmo assim enfrentei o (então) temível big chop, como as americanas chamam o ato de cortar todo o alisado e deixar o cabelo bem curtinho. Imagina o desafio – além de deixar o cabelo natural, ficar com ele curtinho quando o mundo diz que o correto e bonito é o cabelo grande e alisado!

Não consegui assumir totalmente o grande corte, deixando o cabelo com uns 8 a 10 centímetros. Mas existem outras estratégias como usar tranças, muito práticas e bonitas. Só desaconselho com veemência seu uso prolongado. O perigo é ficar careca igual à Naomi Campbell que literalmente teve seus fios arrancados pela contínua tração a que os submeteu.

Fica a pergunta – o que aconteceria se gente como uma grande modelo internacional ou a grande primeira dama dos EUA assumisse o cabelo natural? Minha birra contra o alisamento é o fato de algumas de nós simplesmente não termos o privilégio da escolha sob pena de sermos chamadas de sujas, de termos uma imagem pouco profissional ou sermos simplesmente chamada de feias.

ONDE – PRECISO IR A UM SALÃO DE BELEZA ESPECIALIZADO?

Uma das pioneiras no aconselhamento de mulheres que decidiram deixar de alisar é a Naptural 85, convencida a deixar de alisar pelo namorado brasileiro.

Você pode fazer a transição com a ajuda de um cabeleireiro. Mas fuja desses que dizem adorar o nosso cabelo mas nunca fizeram nenhum curso especializado sobre. Em toda São Paulo há apenas uma profissional branca em quem realmente confio quando o assunto é cabelo natural. Veja, cabelo natural. Pois já aconteceu de ela destruir meu black com progressiva uma vez.

A verdade é que após a decisão de não mais alisar, caí no conto do “seu cabelo não ficará liso, ficará igual ao da Taís”. O black que estava loiro e gigante do jeito que eu sempre quis, simplesmente parou de encaracolar (coisa que foi geneticamente programado para fazer). Foi preciso recomeçar tudo do zero, desde o grande corte. Dessa vez não tive problemas em cortar bem curto, foi um big chop de responsa.

Então decidi fazer tudo sozinha, em casa. Como sou bem relax, fiz o que meu companheiro fazia – lavar, secar e pentear. Fim. Mas há inúmeras fontes mais indicadas quando o assunto é going natural. Há diversas blogueiras e vlogueiras (internacionais e brasileiras) falando sobre o assunto e você certamente saberá quem é entendida no babado e quem não.

PORQUE – É MAIS FÁCIL, SAUDÁVEL E BONITO

O alisamento constante dos cabelos é caro e danifica sua estrutura.

O alisamento constante é bom para todo mundo, menos pra você – é caro e danifica sua estrutura.

As razões para deixar de alisar são muitas.

Comigo foi a necessidade de ter uma gravidez mais segura. O que não esperava foi todo o resto que veio depois. Finalmente percebi que meu cabelo era do jeito que sempre sonhei (e se quiser que a textura fique parecida com a da Taís, é simples) basta saber como cuidar. Junto com a alegria da descoberta a tristeza em perceber que passei uma vida pagando por algo que a natureza havia me dado.

Outro bônus foi a liberdade. Muitas negras são levadas a crer que cuidar do cabelo natural é complicado, ninguém ensina como cuidar do cabelo natural. Pois saibam que o trabalho envolvido é muito menor que fugir da chuva, retocar a química, camuflar a diferença entre a raiz e o comprimento, usar cremes para ativar os cachos (imagine, chegamos ao ponto de alisar para depois comprar um creme que encaracole os cabelos novamente), etc.

Finalmente o mais importante – me sinto linda. Meu cabelo sempre foi fonte de constante frustração e medo. Tudo implantado em mim nos primeiros anos da escola, quando era perseguida se alisava e se não alisava o cabelo. Quando deixei de colocar química na cabeça,  a relação com meu corpo mudou e terminou a infrutífera busca por soluções que dessem jeito em quem sou .

SE VOCÊ É UMA BISCATE QUE QUER

Deixar de alisar o cabelo, meu conselho é se joga. É uma trajetória de crescimento pessoal muito bonita e única. A minha foi e continua sendo. Ontem no cabeleireiro, quando as pessoas diziam que amam meu cabelo como ele é, uma delas disse baixinho que o achava feio sem perceber que eu escutava tudo. A minha reação? Nenhuma, isso simplesmente não me diz mais respeito.

Porém me perguntei quantas dessas pessoas falavam a verdade sobre gostar tanto assim de um black. Todo mundo diz que adora mas não vejo meu cabelo representado na capa da revista. Felizmente, não sei como e nem porquê, aconteceu algo dentro de mim – não preciso da banca da revista para gostar de mim. E quando me faltam mulheres negras com cabelo natural, é só correr pros lugares certos.

Há gente falando sobre isso na internet, como muitos vídeos e imagens a respeito, redes sociais especializadas. No gueto as mulheres negras usam cada vez mais o cabelo ao natural. Algumas celebridades também deixando de alisar como a Solange Knowles. Cabeça a cabeça, a ditadura do alisamento vai sendo desconstruída.

E olha, me sinto muito feliz em participar dessa revolução.

Fica o convite para que você venha pro nosso time.

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