Quem quer ver a imagem de uma criança negra feliz?

Num país racista, imagens de crianças pretas sofrendo são a forma mais eficaz de fazer as pessoas doarem mas… Seria a mais ética? Precisamos explorar mais uma vez essas crianças que já são dissecadas por nossa sociedade, mesmo que a motivação seja elevada e sublime?
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O apoio às crianças ou jovens e o combate à pobreza são respectivamente as causas que mais motivam doações entre os brasileiros, com 39% e 30%. Só perdem para as organizações religiosas. A justificativa mais comum para doar é simples, faz com que as pessoas que doam se sintam bem. Para as organizações que recebem, o impacto é muito relevante. 

A crítica não é sobre isso. 

Se bem que você deveria refletir melhor para quem está doando, quer saber por que? As peças publicitárias feitas para estimular doações, em especial aquelas que são dirigidas à infância e juventude, muitas vezes refletem um olhar racista sobre seu próprio público alvo.

Já reparou que é comum se deparar com estórias de extrema vulnerabilidade vividas por crianças pretas que são repetidas mil vezes à fio?

Ora, duas reações parecem possíveis. 

Uma delas é uma suposta conscientização de quem assiste que passaria a entender, ainda que superficialmente que sim, temos um problema. Crianças estão passando fome, precisamos fazer alguma coisa. Uma sensibilização bastante frágil que possivelmente não faz as pessoas enxergarem problemas estruturais. Elas doam, se sentem bem e não pensam mais nisso. Até que sejam lembradas e o ciclo em busca de serotonina recomece.

Não me surpreenderia uma outra relação com essas imagens que reproduzem estruturas racistas e violências afins. O que explicaria, senão o racismo, uma menina negra que é repetida e explicitamente mostrada como vítima de violência sexual? Ou ainda a exibição nauseabunda do rosto sujo de uma menina negra? Porque precisamos mostrar uma menina em cima de uma pilha de lixo na televisão?

Num país racista, imagens de crianças pretas sofrendo são a forma mais eficaz de fazer as pessoas doarem mas… Seria a mais ética? Precisamos explorar mais uma vez essas crianças que já são dissecadas por nossa sociedade, mesmo que a motivação seja elevada e sublime? Precisamos colocar seus corpos literalmente à venda, revivendo seu sofrimento a cada comercial?

Você possivelmente nunca viu a imagem de um bebê branco esquelético na sua telinha, não é? Já se perguntou por que? Porque não podemos ver crianças pretas sendo criativas, vivendo ordinariamente? Porque são elas quem sempre tem de representar a fome?

Ora, estamos apenas reproduzindo o que acontece na vida real, dirão.

Pois digo, parem. É exatamente aí que está o erro.

Vocês estão usando as ferramentas do mestre para vencê-lo. Não é possível combater o racismo sendo racista. Uma imagem de sofrimento que sempre é protagonizada pelos mesmos corpos será simplesmente naturalizada. Para o deleite de muitos. Talvez faça com que se sintam bem, não me espantaria… Afinal quem quer ver a imagem de uma criança negra feliz, bem alimentada e cuidada?

Considerem o impacto dessas imagens sobre outras crianças.

Afinal serem mostradas de forma extremamente vulnerável também ajuda a convencer as outras crianças pretas que assistem que esse é o seu lugar. É uma propaganda racista que vai doutrinando cada uma delas a achar que isso é normal ou deveria ser. Que tudo bem ser racista usando seus corpos, se for para combater o racismo…

Não mais. É hora de mudar.

Parem de explorar a imagem de crianças pretas. Caso contrário, estarão alimentando a violência. Exibindo em praça pública o racismo que estrutura suas bem intencionadas organizações. Seguir reproduzindo imagens que servem para naturalizar e sustentar o racismo não vai mudar a vida das crianças pretas.

Não, não pode ser normal mostrar crianças pretas desnutridas passando fome na televisão.

Não pode.

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