Hoje é aniversário de Angela Davis, feminista negra estadunidense. E para comemorar, trouxe um pouco do seu pensamento sobre direitos animais à partir de uma perspectiva revolucionária.
“Normalmente não menciono que sou vegana, mas isso evoluiu… Acho que é o momento certo para falar sobre isso porque faz parte de uma perspectiva revolucionária – como podemos não apenas descobrir relações mais compassivas com os seres humanos, mas como podemos desenvolver relações compassivas com as outras criaturas com as quais compartilhamos este planeta e isso significaria desafiar toda a forma industrial capitalista de produção de alimentos.”
A comida que comemos mascara tanta crueldade. O fato de podermos sentar e comer um pedaço de frango sem pensar nas condições horrendas sob as quais as galinhas são criadas industrialmente neste país é um sinal dos perigos do capitalismo, como o capitalismo colonizou nossas mentes. O fato de não olharmos mais longe do que a mercadoria em si, o fato de nos recusarmos a entender as relações que sustentam as mercadorias que usamos diariamente. E assim a comida é assim.
Estou realmente interessada no trabalho que você está fazendo em torno da comida. Porque eu acho que essa é a próxima grande arena de luta. Às vezes estou realmente desapontado que muitos de nós possam assumir que somos esses ativistas radicais, mas não sabemos como refletir sobre a comida que colocamos em nossos próprios corpos.
Angela Davis
Esse final de semana uma pessoa me perguntou por que sou vegetariana. Respondi brevemente pois se tratava de uma pergunta sincera. Entretanto, terminei dizendo que não falaria mais que isso. É o tipo de conversa que realmente demanda tempo e um espaço propício para se desenvolver. Talvez tenha me acovardado…
Mas falar sobre ser vegetariana não é exatamente fácil. Requer uma compreensão apurada da ideia de interseccionalidade, sobretudo se estamos falando a partir de um mundo real, com suas contradições e sempre a partir de contextos diversos. O aniversário de Angela Davis, feminista negra e vegana é uma oportunidade de fazer esse exercício.
Sou lactovegetariana há quase 20 anos. Ou seja, o único produto de origem animal que consumo como alimento é o leite e seus derivados. No meu caso, queijo. Vejam, essa escolha não se estende a outros aspectos da minha vida como roupas e cosméticos, por exemplo. Ainda uso sapatos de couro e vacinas testadas em animais.
Mas… Isso não é uma contradição?
Sim, aparentemente é.
Entendo que existem contradições envolvidas. E poderíamos discutí-las sim. Porém geralmente elas são usadas para nos deslegitimar de antemão em nossas práticas, uma vez que a primeira coisa que as pessoas esperam ao falar com a gente é questionadas por comerem carne. O que não funciona comigo, uma vez que não estou interessada em pagar de bonita por ser vegetariana, muito menos tratar pessoalmente do que as pessoas comem em casa. Só faço isso para quem me pede.
Outro argumento usado para menosprezar a prática vegetariana é tratar uma escolha política como uma espécie de fraqueza moral ou emocional. Outro erro. Não é sobre pena, o que me faz discordar de Angela Davis em um único ponto quando ela fala em um olhar compassivo, que vem de compaixão. E existem vegeterianos que inclusive foram genocidas. Sim… Não é sobre ser um humano melhor ou pior. É muito mais sobre direitos.
É sobre o poder que o capitalismo tem de nos afastar da compreensão que não é sobre o peido das vacas, mas sobre mudanças climáticas, direito à boa alimentação, direito à vida. Nosso e de quem divide essa terra com a gente.
“Os animais do mundo existem por suas próprias razões. Não foram feitos para os seres humanos, do mesmo modo que os negros não foram feitos para os brancos, nem as mulheres para os homens.” Alice Walker
Não é sobre mim, nem mesmo sobre você. Mas olha. Para nós, ser vegetarianos não significa uma questão de vida ou morte. Nunca será. Talvez por isso a nossa única oportunidade de vencer é entender que abandonar a proteína animal uma batalha política que vai depender da consciência de quem é o inimigo nessa parada: a indústria de alimentos capitalista. Eles são os senhores, todos nós estamos perdendo.
Esse é o cerne da questão.
O mercado de morte de animas é irmão gêmeo do tráfico, escravização e morte de pessoas humanas. A única diferença é que não se trata mais de corpos negros, indígenas, pobres… Mas sim de corpos de pessoas animais, capazes de sentir e de amar, mas cuja carne é tão ou até mais barata quanto a carne negra.
Obrigada Angela Davis por me dar coragem para escrever e refletir sobre minha prática pessoal e sobre como transformá-la em uma ação política.