O tumor que hoje habita minha garganta não é uma metáfora. Mas se fosse uma estória…

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Antes de qualquer coisa preciso explicar porque uso a palavra dor e ancestralidade conjugadas. E antes do antes, dizer que acredito na necessidade de preservá-las para que ela não se tornem mais uma vez a bola da vez que entregamos à influência, esse braço tão perigoso quanto bonitinho do capitalismo.

Aqui, quando falo de ancestralidade aqui, penso em territórios delimitados, porque conheço meus ancestrais. E tenho ciência de que cada prato de comida, cada pedacinho de conforto e até privilégio, tem nome e sobrenome. São pessoas reais que a cada dia respeito ainda mais, mesmo dentro de todas as enormes limitações que tenho e da minha dupla cidadania, tanto no país da saúde e no país da doença.

Dessas pessoas muitas lições foram aprendidas, comidas, danças e cantos sagrados… Mas também cicatizes emocionais, psíquicas e genéticas. Não por acaso em meu corpo foram inscritas duas marcas, o transtorno afetivo bipolar e uma mutação genética que predispõe ao câncer, dois estigmas que à duras penas e com a ajuda de voduns e encantados procuro entender e viver além de. Felizmente estou aqui para contar essa estória.

E se estou falando de sentir, entendo a emoção como instrumento de percepção e análise do mundo e do meu passaporte ao mundo dos doentes. Tão político quanto todas os complexas referências bibliográficas e dados que quase sempre acompanham a disputa de narrativas.

A mim obviamente interessam os conceitos, as análises de conjuntura e os estudos que afirmam que… Mas como pensadora, decidi como método partir da inserção dos meus corpos em territórios de estudo. Sendo meu próprio corpo como uma cidade, um continente de sentidos, sentimentos e estórias que são o meu instrumento. Que não pode ser culpabilizado como se fosse possível fazer um câncer.

Por qualquer motivo que se possa inventar.

Mas especialmente por eu ser uma mulher bipolar.

Ora, respeite a minha dor.

Abscessos, tumores, nódulos, pedras…

não são

São palavras calcificadas,

poemas sem vazão, poemas presos.

O tumor que hoje habita na minha garganta não é uma metáfora. Mas se fosse…

Seria… Uma história de racismo estrutural.

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Depois do escrito – O tumor que me refiro nesse post é uma lesão benigna.

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