125 anos de abolição, uma lei para (não) cumprir a lei

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Art. 1º. Todos os escravos, que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora, ficam livres.

7 de novembro de 1831

Em terra brasilis, a lei precisa “pegar” pra ser cumprida. Em muitos casos se mudança acontece, é lenta para que as pessoas se “acostumem” com a nova ideia. Como se o tempo da vida fosse muito diferente do tempo da lei. Quando o assunto é escravidão, essa dissonância é maior ainda. Tanto que a primeira lei sobre o fim do tráfico de escravos nunca saiu do papel.

Talvez por ser a primeira a versar sobre o fim da escravidão no país, mesmo que de forma indireta. Se executada, libertaria a maioria dos cativos alguns anos após a sua publicação. Considerando a expectativa de vida de um escravo como sendo de 20 anos em 1879, podemos inferir que em 1871 grande parte dos escravos estaria livre. Mas não foi isso que aconteceu.

I. LETRA MORTA

É lugar comum descrever a Lei Feijó como para inglês ver. Foi criada para satisfazer acordos diplomáticos que exigiam o fim do comércio de escravos até 1830 em troca do reconhecimento da indepêndencia brasileira pela coroa inglesa. No entanto, jamais atendeu à exigência de o tráfico ser considerado como pirataria, o que permitiria à inspeção de navios braisleiros pelos ingleses.

Mas havia outras motivações para a sua não aplicação. Influenciada por acordos luso-anglicanos de 1810, era entendida como um ataque à soberania nacional, um estratagema da coroa inglesa para afastar a influência brasileira no continente africano. Também era considerada perigosa demais para a economia e os lucros obtidos com o tráfico.

O próprio texto da lei associado ao modo como a sociedade brasileira se estruturava explicam muita coisa. Previa de 3 a 9 anos de prisão para os envolvidos no tráfico, julgados através de um juri. Sua aplicação também dependia de juízes de paz e dos chefes de polícia,  agentes que muitas vezes era senhores de escravos ou eram profudamente ligados a eles.

Entretanto, o que fazia a lei não ser aplicada era seu caráter potencialmente letal ao regime escravocrata. Como já foi dito antes, colocaria em liberdade grande parte dos escravos em alguns anos. Ademais, previa que todos os envolvidos fossem punidos, inclusive os senhores. Havia todo o interesse que fosse letra morta ou revogada, pelo menos a parte dela que colocava a posse sobre os escravos em questão.

II. UMA LEI PARA (NÂO) CUMPRIR A LEI

Mas a coroa inglesa, percebendo que a letargia brasileira, preme ainda mais o governo brasileiro com o Bill Aberdeen que dá direito à coroa inglesa de revistar navios brasileiros pois classifica o tráfico de escravos como pirataria em 1845. É nesse contexto que se escreve uma nova lei, objetivando evitar um confronto com a Inglaterra e combater o alcance da lei de 7 de novembro de 1831.

Assim foi decretada a lei Eusébio de Queiroz, uma lei para fazer aplicar a lei. Uma das primeiras providências é tornar o tráfico como crime de pirataria, conferindo à coroa inglesa o direito de revistas das embarcações brasileiras. Por outro lado, retira da lista de possíveis culpados os senhores de escravos que também não mais precisariam arcar com as despesas de reexportação dos ex-cativos.

Além da pressão inglesa, o fato de a opinião pública ter mudado influenciou a aplicação dessa segunda lei. Interessava aos senhores nordestinos, em dificuldades, que o fluxo de cativos terminasse para que vendessem suas peças para o Sul e Sudeste. O medo racista de que a estrutura racial brasileira fosse indelevelmente afetada pelo africano também deve ser levado em consideração.

É verdade que o tráfico abaca com a lei Eusébio. Porém serviu para que a lei Feijó permanece como um vulcão adormecido que sem sucesso muitos tentaram despertar. Nesse sentido a lei de 1850 foi uma lei para (não) cumprir a lei. Segundo Nabuco, o texto de 1831 era como uma carta de liberdade de todos os importados depois da sua data, uma carta que nunca seria cumprida para que a abolição fosse retardada até o último minuto.

III. MAIS?

Leia mais Sobre a Lei Senador Feijó e Para ingles ver, o material de apoio que inspirou esse post. Conheça também os outros textos que integram a Semana 125 anos de abolição.

Isto espera ser útil / 4P, Charô.

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