Je suis desolée Moïse Mugenyi Kabagambe

“Olha a foto do meu filho, meu bebezinho. Era um menino bom. Era um menino bom. Era um menino bom. Eles quebraram o meu filho. Bateram nas costas, no rosto. Ó, meu Deus. Ele não merecia isso. Eles pegaram uma linha (uma corda), colocaram o meu filho no chão, o puxaram com uma corda. Por quê? Por que ele era pretinho? Negro? Eles mataram o meu filho porque ele era negro, porque era africano.”, disse sua mãe.
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Hoje nenhuma palavra é o suficiente, a tristeza nos atravessa como lâmina em brasa. Porém existe uma voz que precisa ser ouvida.

“Olha a foto do meu filho, meu bebezinho. Era um menino bom. Era um menino bom. Era um menino bom. Eles quebraram o meu filho. Bateram nas costas, no rosto. Ó, meu Deus. Ele não merecia isso. Eles pegaram uma linha (uma corda), colocaram o meu filho no chão, o puxaram com uma corda. Por quê? Por que ele era pretinho? Negro? Eles mataram o meu filho porque ele era negro, porque era africano.”, disse sua mãe.

Desde que soube do brutal assassinato de Moïse Mugenyi Kabagambe busco palavras que não são minhas embora seja solidária à dor. Como é que vamos contar o que aconteceu para nossas crianças? O que havemos de responder às suas perguntas quando ficarem mais velhas? Como explicar a tristeza que nos esmaga, a vontade de chorar quando temos de fingir para elas que tudo está bem?

Confesso que demorei alguns dias para finalmente olhar as imagens, embora soubesse que precisava. Um misto de emoções percorre meu corpo e minha mente quando penso nelas. E fico dividida entre a linha tênue que separa a necessidade de que o crime seja denunciado e… Ao mesmo tempo, a ciência de que essas imagens também alimentam a sede de crueldade de muitos.

“A gente vem para cá achando que todo mundo vai viver junto. Que é todo mundo igual, mas não. Eu só quero justiça. E peço: por favor, me ajudem. Eu não tenho nada. Não tenho parente nenhum aqui. Eu não sei o que vai acontecer. Não sei aonde vamos parar.”, prosseguiu Lotsove Lolo Lavy Ivone.

Não Ivone, aqui vivemos segregados.

A rua é a expressão da violência que se arvora no racismo estrutural, abunda do colonialismo e inunda o quiosque e a praia. Essa que permanecerá como símbolo da democracia racial brasileira em que muitos desfilam pacientemente como se pudessem esquecer quem são os legítimos herdeiros do ódio. Esses que presenciaram o crime, sem nada fazer. Mesmo que por apatia ou medo. Estes que sequer se sentiram compromissados com a xenofobia resultante do seu silêncio.

Quem há de se interessar por quem era Moïse Mugenyi Kabagambe, jovem que basceu em 4 de abril de 1997? Afinal, quem se importa com a morte de um congolês, como o filho de Lotsove Lolo Lavy Ivone é descrito na grande maioria das manchetes que noticiaram seu assassinato. E assim, muitos hão de se esquecer que ele era um ser humano, jovem, trabalhador, tinha talentos, uma estória a ser vivida e contada. Tinha direitos como enfatizou a Anistia Internacional.

“Moise era um menino que irradiava alegria ao seu redor. Era brincalhão e arrancava risos falando francês propositalmente de forma errada. A sua frase favorita era “Je suis desolé” (sinto muito). Era amado por todos, sempre disposto a ajudar quem precisava. Era quem fazia churrasco nas festas. Moise viveu a vida plena e intensamente. Era aquele amigo com quem você podia contar em qualquer situação e a qualquer momento”, disse a nota da comunidade congolesa no Rio de Janeiro.

Me pergunto quando os jornais hão de contar que Moïse Mugenyi Kabagambe também era um estudante de arquitetura? Erica Malunguinho talvez tenha sido aquela que explicou o crime de maneira mais suscinta e certeira, assim como fez sua mãe. Ele era preto e africano. É assim que continuará a ser visto… Um congolês sem nome, na vida e na legenda do jornal.

O Brasil é xenofóbico? Sim! Mas alguém já viu xenofobia contra brancos estrangeiros?#justicaparaMoise #JusticaPorMoiseMugenyi Originalmente escrito por Erica Malunguinho no twitter (@malunguinho) em 01/02/22.

Je suis desolée Moïse Mugenyi Kabagambe, que você possa ao menos descansar em paz.

Que se faça justiça.

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