Tudo que não comentei sobre racismo na semana passada

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País de mestiços, onde branco não tem força para organizar uma Kux-Klan (sic), é país perdido para altos destinos. (…) Um dia se fará justiça ao Ku-Klux-Klan; tivéssemos aí uma defesa desta ordem, que mantém o negro em seu lugar, e estaríamos hoje livres da peste da imprensa carioca – mulatinho fazendo jogo do galego, e sempre demolidor porque a mestiçagem do negro destrói a capacidade construtiva.

Monteiro Lobato em carta enviada a Arthur Neiva, 1928.

Um dos maiores erros conceituais sobre o entendimento do racismo é a ideia de que ele está confinado a num cantinho bem separado de todo o resto da sociedade, como um fenômeno isolado. Não existiriam pessoas, livros, empresas, propagandas, muito menos pessoas racistas numa sociedade racista.

Porém, nada escapa à cultura e sociedade racistas. Nada e ninguém estão imunes ao racismo. Nem eu, nem você, nem aquele carinha super legal da internetchy. Muito menos a nossa tecnologia, nossos ídolos ou o modo como as pessoas recebem a possibilidade de uma mulher branca namorar um homem negro.

Sobre tudo o que eu não comentei sobre racismo na semana passada.

Maómenos.


I. É mais difícil fotografar pessoas negras

A Carla do Brasil correu pro facebook e me contou como a Polaroid contribuiu com as políticas de segregação na África do Sul durante o apartheid. Os artistas Broomberg and Chanarin descobriram que durante os anos 80 a empresa lançou um filme inovador cuja principal característica era fotografar a pele negra. O mote da propaganda foi To Photograph the Details of a Dark Horse in Low Light, que acabou dando nome a um projeto da dupla.

Foram fotografadas pessoas e paisagens na África do Sul com filmes projetados para a pele branca. É claro qué tem gente jurando de pé junto que fotografar a pela branca é mais fácil. Prefiro me posicionar ao lado dos artistas que expuseram a questão – “Anything that comes out of that camera is a political document. If I take a shot of the carpet, that’s a political document.”, Broomberg and Chanarin.


II. Walt Disney (e Monteiro Lobato) não eram racistas, certo?

Corvos, Disney, 1941.
Os corvos em “Dumbo”, lançado em 1941, quando o crime do racismo contra os afro-americanos era tolerado, é provavelmente o exemplo mais flagrante.

Dia desses divulguei nas redes sociais um texto de minha autoria sobre Monteiro Lobato, explicitando a necessidade de que sejam adicionadas notas de rodapé às suas obras. Gente, até Homero tem notas, mas quando se trata de um autor de obras racistas que também será lido por crianças negras a coisa muda de figura.

Até entendo como é difícil, afinal significa reconhecer o óbvio: somos racistas. Não somente em nossas vidas pessoais, mas enquanto cultura. O desconforto foi tanto que um dos meus (ex)contatos no facebook (branco, blogueiro de literatura, com algum interesse e conhecimento de causa sobre a negritude) fez a seguinte observação amor na minha timelinda:

Nao sei pra q vc divulga essa merda. Tudo tem um contexto. ML é tão racista quanto o Bento XVII é solidário à fome do mundo e/ou os evangélicos são os escolhidos. A ignorância fede!

Agora vai contar pra essa criança que muito provavelmente Walt Disney também era racista. Para mim, que cresci vendo os desenhos do criador, nenhuma dúvida à respeito. O babado é que Philip Glass parece pensar o mesmo e dispara: “É um problema universal. A peça mostra como alguém tão pouco usual pode ser como tantas outras pessoas.” Só espero que muita gente não entre em surto enquanto bebe seu todinho por aí.

As crianças precisam saber quem foi Monteiro Lobato, os adultos também.

Sobre o comentarista amor, desfazer amizade explica.


III. O namorado da Xuxa

Quem levantou a bola foi a Derradwechsel perguntando se eu havia acompanhado a horrorível cobertura sobre o novo namorado negro da Xuxa. Após uma período sem namorar sério, a apresentadora resolveu engatar um namoro. O povo logo começou a falar num ator negro. O bafafá foi tanto que ela teve de perguntar no twitter se a cor do novo amor era mesmo importante.

A própria Derradwechsel resumiu a ópera – “tenho medo de ver pelo em ovo, mas é simples: é só pensar se falariam isso de branco, no caso, e aí o nojo aparece.”. Num é? Alguém por aí já viu alguém falando em ator branco, namorado branco, advogado branco? Pois é, é exatamente isso. Nojento.


IV. Fim

Tá puxado people! Acho que não faltou nada, faltou? Espero que a semana que vem o blogue volte a sua programação normal, sem sustos, sobressaltos e um pouquinho menos de racismo. É pedir muito? Ah sim, sexta tem post e depois, segundas, quartas e sextas, as usual.

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